O processo de gestação e parto do pecado em Tiago 1:12-15
(Foto: Maique Borges) — Foto: Cooperadores do Evangelho


O PROCESSO DE GESTAÇÃO E PARTO DO PECADO EM TIAGO 1.12-15[1]

 

Por David Carvalho[2]

 

¹² Bem-aventurado-aventurado o homem que sofre a tentação; porque, quando for provado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que o amam. ¹³ Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta. ¹⁴, mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência. ¹ depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte. (Tiago 1.12-15 – ACF[3]. Grifou-se).

12Μακάριος νρ ς πομένει πειρασμόν, τι δόκιμος γενόμενος λήμψεται τν στέφανον τς ζως ν πηγγείλατο τος γαπσιν ατόν. 13μηδες πειραζόμενος λεγέτω τι π θεο πειράζομαι· γρ θες πείραστός στιν κακν, πειράζει δ ατς οδένα. 14καστος δ πειράζεται π τς δίας πιθυμίας ξελκόμενος κα δελεαζόμενος· 15ετα πιθυμία συλλαβοσα τίκτει μαρτίαν, δ μαρτία ποτελεσθεσα ποκύει θάνατον. (άκωβος 1.12-15[4]. Grifou-se).

 

INTRODUÇÃO

Acredito que não podemos chegar a conclusões precisas sobre o que Tiago está nos ensinando nesse texto sem antes ponderarmos sobre o significado que ele atribui às palavras 'provação' e 'tentação'. Da mesma forma, uma vez que a tentação está intimamente relacionada ao pecado, devemos ser capazes de compreender minimamente o que ele entende por pecado e como esse tema se relaciona com sua obra como um todo.

Para o autor provação e tentação são a mesma coisa?

A palavra grega “πειρασμός” (peirasmos) usada por Tiago em 1.2-3, 1.12, 1.13 e 1.14, significa “tentação” ou “provação” e pode ter conotações de testar, experimentar ou colocar à prova. Nesse contexto, “πειρασμός” (peirasmos) se refere a situações em que a fé ou a fidelidade de alguém é testada por meio de desafios, adversidades ou tentações (GINGRICH; DANKER, 2007, p. 162).

Em Tiago 1.2 a palavra grega “πειρασμος” (peirasmois) é usada com um sentido positivo e de provação como algo diferente de tentação. Note, inclusive, que em 1.2 o texto propõe: “tende grande gozo quando cairdes [“περιπέσητε” (peripesete)] em várias tentações” (Tg 1:2 - ACF[5]. Grifou-se). No verso 12 do mesmo capítulo Tiago diz: “Bem-aventurado o homem que sofre [“πομένει” (hypomenei)] a tentação” (Tg 1:12 - ACF[6]. Grifou-se).

Deste modo, embora seja sutil, há uma diferenciação feita pelo autor ao propor o “cair/passar/incorrer“περιπέσητε” (peripesete) “em várias provações” e sofrer/suportar/resistirπομένει” (hypomenei) que é uma combinação de “πό” (hypo), que significa “sob” ou “por”, e “μένω” (meno), que significa “permanecer” ou “ficar”. Portanto, “permanecer sob” ou “suportar”. Nesse caso, “suportar as tentações” (GINGRICH; DANKER, 2007, p. 164, 213).

Também devemos ter em mente que Tiago nada diz sobre a origem das provas que vem sobre o fiel – ele ressalta apenas que devemos nos alegrar ao passar por elas, mas no caso da tentação ele faz a clara menção de que ela não vem de Deus (Tg 1.13).

Qual é a ideia de pecado que permeia a obra de Tiago?

Feitas as observações introdutórias quanto ao uso que Tiago faz do termo “πειρασμός” (peirasmos), resta-nos, ainda, registra que, embora ele não nos forneça uma definição sistematizada de sua compreensão do que é o pecado ele afirma algo importante que nos ajuda a ter uma noção de sua perspectiva quanto ao tema: “aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado” (Tg 4.17 - ACF[7]).

Ao observarmos a relação entre a declaração de Tiago em 4.17 e o livro como um todo, devemos salientar, ainda que de maneira superficial e preliminar, que a ideia que ele expressa é de que a omissão de fazer o bem, quando se tem conhecimento e capacidade para tal, configura-se como pecado. Portanto, ao longo de toda a sua obra, Tiago enfatiza a necessidade de uma vida cristã prática. Nessa mesma linha de pensamento, autores como Pedro, por exemplo, também defendem ações semelhantes como meio de evitar o pecado (II Pe 1.3-12).

Rienecker e Rogers (1995, p. 534), ao discorrerem sobre o texto de Tiago 1.12, eles ressaltam que a perspectiva defendida por Tiago ao falar da bem aventurança do homem que resiste ao teste de sua fé se dá de modo ativo e vivo e não apenas por resignação.

Como base elementar, pontuamos que Tiago distingue provação e tentação e que ele defende em sua carta uma fé ativa como forma de não pecar, assim estamos melhor habilitados para analisar a metáfora que ele faz do processo de gestação e parto do pecado.

Como Tiago trata esse processo de incubação do pecado?

Nos versos 12 a 15 do capítulo primeiro, Tiago nos apresenta não apenas uma relação entre a tentação e o pecado como também nos mostra pelo menos seis pontos que devemos ter em mente para compreendermos como ele ocorre.

 

1º - EXISTE EM NÓS, CADA UM DE NÓS, UMA INCLINAÇÃO PARA O PECADO (Tg 1.14).

A palavra grega “πιθυμίας” (epithymías), usada no verso 14, é derivada do substantivo “πιθυμία” (epithymía). Ela se refere a “desejo” ou “anseio” (MOUNCE, 2013, p. 261). Essa palavra é usada para descrever um desejo intenso, uma paixão ou uma forte inclinação em direção a algo.

Conforme já mencionado acima, a palavra grega “π” (hypo) é uma preposição que geralmente é traduzida para o português como “sob”, “por”, “sob a autoridade de”, “pelas mãos de” ou “por meio de”, dependendo do contexto em que é usada (MOUNCE, 2013, p. 611).

Essa expressão é frequentemente utilizada para indicar submissão, controle, causa, agência ou condição. Sua tradução exata pode variar com base na estrutura da frase e no significado específico que ela está sendo usada para transmitir em um determinado contexto. Por exemplo, em uma frase como “π τν λιον” (hypo ton hēlion), que literalmente significa “sob o sol”, a preposição “π” indica a posição ou condição de estar sob a influência do sol.

No texto em questão (v. 14), a preposição “π (hypo) indica a agência ou a fonte da tentação. Em outras palavras, “π(hypo) está sendo usada para expressar que a tentação vem “por meio de” ou “sob a influência de” algo (GINGRICH; DANKER, 2007, p. 213). No caso, a tentação vem pela concupiscência/desejo presente no indivíduo.

 

2º - PELO DESEJO QUE HÁ EM NÓS O PECADO PROVOCA ATRAÇÃO (Tg 1.14).

A palavra grega “δελεαζόμενος” (deleazómenos), usada no verso 14, é uma forma verbal derivada de “δελεάζω” (deleázō), que significa “atrair” ou “seduzir” (MOUNCE, 2013, p. 166). O particípio médio “δελεαζόμενος” denota uma ação contínua de atrair ou seduzir a si mesmo (RIENECKER; ROGERS, 1995, p. 537). Portanto, “δελεαζόμενος” (deleazómenos) pode ser traduzido como “sendo atraído” ou “sendo seduzido”.

 

3º - A ATRAÇÃO DO ENGANO É SEMPRE ACOMPANHADA POR UMA CONDUÇÃO PEGAJOSA, DOMINADORA, EM DIREÇÃO A REALIZAÇÃO DO PECADO (Tg 1.14).

A palavra grega “ξελκόμενος” (exelkómenos), usada no verso 14, é a forma presente do particípio médio do verbo grego “ξέλκω” (exélkō). Essa palavra significa “sendo arrastado” ou “sendo puxado para fora”. O particípio médio indica uma ação reflexiva ou passiva (RIENECKER; ROGERS, 1995, p. 537). Em contextos diversos, pode referir-se a algo ou alguém que está sendo arrastado, puxado ou retirado de algum lugar.

 

4º - ARRASTAR É UMA AÇÃO QUE EXIGE DOMÍNIO. ASSIM, O PECADO ARRASTA PORQUE ESTÁ EXERCENDO UMA FORÇA DE DOMINAÇÃO (Tg 1.15).

A palavra grega “συλλαβοσα” (syllaboûsa), usada no verso 15, é uma forma verbal que deriva do verbo “συλλαμβάνω” (syllambánō), que significa “juntar” ou “agarrar”. A forma específica “συλλαβοσα” (syllaboûsa) está no particípio aoristo feminino médio singular, indicando uma ação concluída no passado e relacionada ao sujeito feminino (RIENECKER; ROGERS, 1995, p. 537).

Portanto, “συλλαβοσα” pode ser traduzido como “tendo juntado” ou “tendo agarrado” no contexto de uma ação metafórica realizada por uma mulher. Por isso, nesse contexto, “συλλαβοσα” (syllaboûsa) é traduzido por “tendo concebido” (GINGRICH; DANKER, 2007, p. 565).

Para nós é demasiadamente difícil dizer em que momento essa dominação final, de fato, ocorreu. Por isso, se a ação de fuga não for adotada imediatamente após a atração ou sedução, não há qualquer garantia da possibilidade de escapar dessa dominação. Como diz o provérbio popular “é melhor recusar a isca do que se debater na armadilha”.

 

5º - APÓS A FECUNDAÇÃO DA TENTAÇÃO O PECADO, QUE TEM GESTAÇÃO VELOZ, ESTÁ PRONTO PARA NASCER (Tg 1.15).

A palavra grega “ποκύει” (apokyéi), usada no verso 15, é uma forma verbal derivada do verbo “ποκύω” (apokýō), que significa “dar à luz” ou “gerar”. Esta palavra é usada para descrever o ato de uma mulher dar à luz a uma criança ou a ideia de produzir ou gerar algo mais figuradamente (MOUNCE, 2013, p. 108).

Cumpre destacar que após a aceitação do processo de gestação o passo seguinte e inevitável é o parto. Nesse caso, parto ou nascimento do pecado.

 

6º - A GESTAÇÃO E O PARTO DO PECADO NÃO PRODUZEM SATISFAÇÃO DA CONCUPISCÊNCIA, APENAS DESTRUIÇÃO E MORTE (Tg 1.15.)

A palavra grega “θάνατον” (thánaton), mencionada no final do verso 15, significa “morte”. É a forma acusativa do substantivo “θάνατος” (thánatos), que se refere ao estado de morte ou ao ato de morrer (MOUNCE, 2013, p. 309[8]).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme a descrição de Tiago, a gestação do pecado inicia-se com a atração e o engano do erro, aproveitando-se da presença da concupiscência em nós. O nascimento do pecado ocorre quando a dominação final força a vítima à prática ou aceitação, ainda que temporal, do pecado, resultando no seu nascimento, que, por sua vez, culmina em morte.

O autor também deixa claro que embora permita, Deus não é, de modo algum, responsável pela tentação.

Ao longo de todo o livro, Tiago propõe uma vida prática da fé como uma dinâmica de distanciamento do engano e do pecado que, conforme demonstrado, se mostra extremamente ardiloso e mortal.

Tomando a carta de Tiago como um todo, a única alternativa que temos é o exercício continuo do bem, porque deixar de fazê-lo já é em si mesmo um erro (Gl 5.16-17, Tg 2.14, 18-19ss, 4.17). Além disso, para Tiago, fazer o bem é, não apenas fortalecer-se contra o mal, mas viver a vitória sobre ele.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GINGRICH, F. Wilbur; DANKER, Frederic W.. Léxico do Novo Testamento: grego, português. São Paulo: Vida Nova, 2007.

MOUNCE, William D.. Léxico Analítico do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 2013. Tradução de: Daniel de Oliveira.

RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 1995. Tradução de: Gordon Chown e Júlio Paulo T. Zabatiero.



[1] Todos os direitos reservados nos termos da Lei no 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.
[2] Bacharel em Teologia pela Faculdade Evangélica de Brasília-FE, Licenciado em Pedagogia pela Faculdade Albert Einstein e Pós-graduado em Bíblia Sagrada pela Faculdade Teológica Batista de Brasília-FTBB. Contato: davidcarvalho@mail.ru.
[3] Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/acf/tg/1/12-15. Acesso em: 13/11/2023.
[4] Disponível em: https://www.bibelwissenschaft.de/en/bible/NA28/JAS.1.12-15. Acesso em: 13/11/2023.
[5] Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/acf/tg/1. Acesso em: 13/11/2023.
[6] Ibidem.
[7] Ibidem.