A. Os Três Perigos
Ao longo de sua história, a igreja cristã tem enfrentado três graves perigos: o paganismo, o papismo e o pentecostalismo.
O paganismo ameaçou a igreja logo nos primeiros anos de sua existência, especialmente por meio de um misto de religiões, filosofias e fábulas que mais tarde ficou conhecido como gnosticismo. Esse modelo exercia forte atração sobre os cristãos menos preparados porque, além de oferecer experiências místicas, como visões e coisas do tipo (Cl 2.18), também impunha aos seus seguidores normas de conduta que pareciam piedosas — regrinhas como “não pode isso”, “não pode aquilo” (Cl 2.20-23). O maior atrativo do gnosticismo, porém, estava na alegação de que seus adeptos formavam uma elite espiritual detentora de um grau de espiritualidade e conhecimento (gnosis) que outras pessoas eram incapazes de ter.
O papismo, por sua vez, desenvolveu-se em decorrência de processos muito mais longos e complexos, iniciados já no século 2, e que culminaram no surgimento de uma espécie de príncipe eclesiástico com autoridade universal, supostamente dotado de infinitos poderes temporais e espirituais — uma espécie de deus, reconhecido, aliás, como infalível!
Por causa do papismo, a igreja medieval ficou muitas vezes nas mãos de homens inescrupulosos, imorais e corruptos que, em nome de Cristo e em benefício próprio, cometeram atrocidades como as guerras das Cruzadas, os crimes da Inquisição e a exploração impiedosa do povo por meio da venda de relíquias e de indulgências. O caos e a vergonha a que o papismo lançou a igreja deram ensejo à Reforma Protestante do século 16.
O terceiro perigo, o pentecostalismo, é de todos o mais recente e também o mais danoso, posto que abriga elementos dos dois primeiros e, conforme será demonstrado, trouxe prejuízos para o cristianismo que nem mesmo os piores inimigos da fé foram capazes de causar nesses 2 mil anos de história eclesiástica.
O surgimento do movimento pentecostal geralmente é datado de 1906, ano em que William Joseph Seymour, um pregador afro-americano, iniciou reuniões num barracão na Rua Azuza, número 312, em Los Angeles, EUA. Nessas reuniões, a ênfase era a busca do batismo com o Espírito Santo, o que Seymour cria ser uma experiência mística pós-conversão, acompanhada pelo falar em línguas.
Ora, a Bíblia ensina que o batismo do Espírito Santo é dado a todos os crentes, sem que eles precisem se esforçar para obtê-lo (1Co 12.13; Gl 3.2). Também ensina que isso ocorre no momento da conversão (Ef 1.13), sem nenhuma necessidade de ser evidenciado pelo dom de línguas, já que, na Igreja Primitiva, esse dom era dado somente a alguns (1Co 12.30).
Contudo, os seguidores de Seymour criam que o batismo do Espírito Santo era uma espécie de segunda bênção (a primeira bênção seria a conversão) dada por Deus somente a quem a buscasse com orações, jejuns, clamores, lágrimas e vigílias. Por isso, testemunhas oculares relataram que, na Rua Azuza, as pessoas passavam dias e noites gritando, chorando, gemendo, uivando, pulando, girando e se contorcendo, enquanto clamavam pela “bênção”. Já os que eram “batizados” balbuciavam o que criam ser línguas estranhas e, em êxtase, caíam no chão onde ficavam rolando ou se sacudindo, numa manifestação frenética de loucura total. Outros, ainda, desmaiavam e ficavam deitados por horas a fio, inertes como se estivessem mortos.
Tudo isso, pensavam, era necessário e valia a pena, pois o batismo do Espírito Santo, uma vez recebido, elevaria o crente a um novo e mais rico patamar espiritual, tornando-o participante de uma elite de homens santos e fazendo-o desfrutar de uma vida repleta de experiências poderosas e arrebatadoras com Deus.
Foi dito aqui que o primeiro grande perigo que ameaçou a igreja de Cristo foi o paganismo manifesto em doutrinas gnósticas. Pois bem… O pentecostalismo demonstrou ser um dos maiores danos que já sobrevieram à igreja porque, com sua ênfase numa doutrina jamais ensinada nas Escrituras, trouxe de volta para o cristianismo precisamente aquelas velhas noções pagãs, apegando-se ao êxtase, ao frenesi espiritual e, especialmente, ao principal conceito gnóstico da existência de uma elite espiritual que se situa acima dos crentes comuns.
Então, como ocorreu com o gnosticismo nos séculos 1 e 2, a possibilidade de provar emoções novas e de fazer parte de uma elite espiritual fez com que o pentecostalismo atraísse uma imensa massa de pessoas ignorantes, ávidas por experiências místicas e sedentas por conquistar o reconhecimento e a admiração dos seus correligionários.
Conforme dito anteriormente, a segunda maior ameaça sofrida pela igreja ao longo dos séculos foi o papismo. Ora, o pentecostalismo também não deixou de fora os principais elementos desse mal. Com efeito, além de trazer novamente para a igreja de Cristo o velho paganismo combatido pelos pais apostólicos do século 2, o movimento pentecostal trouxe também para a igreja evangélica o velho papismo combatido pelos reformadores do século 16. A diferença é que o papismo pentecostal é um papismo piorado.
De fato, se no romanismo foi acolhida a figura de um papa apenas, no movimento pentecostal ocorreu a diabólica proliferação de um exército de pequenos papas locais, todos reivindicando autoridade divina e infalibilidade absoluta sob os títulos de bispo, apóstolo, profeta ou patriarca.
Com incrível ousadia, todas essas figuras alegam que Deus lhes fala diretamente e, à semelhança dos pontífices medievais, não aceitam que suas opiniões ou condutas sejam questionadas por ninguém e em nenhum grau. Também à semelhança dos papas renascentistas, esses facínoras exploram a boa-fé do povo e juntam tesouros para si, vendendo quinquilharias que dizem ser santas e dotadas de poder. Na verdade, isso acontece hoje numa escala tão grande que é fácil concluir que os papas medievais, em termos de engano e estelionato, teriam muito que aprender com os pequenos papas da atualidade que reinam soberanos nas igrejas pentecostais.
Β. Uma fábrica de seis males
Se o pentecostalismo abriga elementos do paganismo e do papismo, há também outras razões muito mais perceptíveis que comprovam que essa vertente dita evangélica é um risco terrível para a causa cristã. Para expor essas razões, basta descrever o pentecostalismo como uma fábrica de seis males: heresia, superstição, falsos irmãos, hipocrisia, desordem e desilusão. Neste artigo serão expostos somente os dois primeiros males. Os demais serão abordados na parte 3 desta série.
Por que podemos afirmar seguros que o pentecostalismo é uma fábrica de heresias? A resposta é simples e lógica: Crendo que Deus fala diretamente aos seus apóstolos e profetas, bem como àqueles que foram agraciados com a “segunda bênção”, os pentecostais não valorizam o estudo teológico, a exegese ou mesmo as lições mais elementares da hermenêutica bíblica. Para que — dizem eles — se afadigar na análise do texto bíblico, no aprendizado das línguas originais ou na leitura de obras de profundidade doutrinária se Deus nos fala diretamente? Aliás, no afã de ressaltar essa fábula, alguns pastores mais criativos deixam uma cadeira vazia ao seu lado no púlpito, afirmando que aquele lugar é ocupado por um anjo ou pelo próprio Espírito Santo que, pondo-se ao seu lado, sussurra as coisas que ele deve dizer à multidão.
Agravando essa situação, grande parte dos líderes pentecostais se opõe ferozmente ao estudo da teologia, dizendo que “a letra mata” (2Co 3.6). Ora, o fácil contexto dessa citação é suficiente para mostrar que Paulo fala ali da Lei Mosaica (a letra) e seu impacto mortal sobre aqueles que tentam ser justificados através da sua observância. Para os pentecostais, porém, nesse texto, Paulo, justamente o apóstolo mais estudioso do Novo Testamento (At 26.24), reprovava o dedicado estudo da Palavra de Deus!
O resultado dessas proezas é que o pentecostalismo acaba sendo um prato cheio para os que se deleitam na preguiça intelectual e dá ensejo para que homens sem preparo, seguindo as imaginações de seu próprio coração e chamando tudo o que lhes vêm à mente de “revelação”, ensinem aos seus seguidores absurdos que vão desde as tolices mais chocantes até as heresias mais deploráveis e destruidoras. Na verdade, esse fato é tão notável e evidente que qualquer crente com conhecimento teológico básico sabe que é mais fácil encontrar um dente na boca de um torcedor corintiano do que uma frase de alto valor doutrinário na boca de um pastor pentecostal.
De fato, poucas vezes na história do pensamento cristão existiu uma fábrica de heresias tão produtiva como o pentecostalismo. Há algum tempo eu adquiri o grau de mestre (Th.M) em teologia histórica e posso afirmar depois de muitos anos de estudo que nem Márcion, o arqui-herege do século 2, nem os montanistas, nem os defensores da cristologia heterodoxa que ameaçou a igreja nos séculos 4 e 5, nem os cátaros, nem o catolicismo medieval, nem os radicais da época da Reforma, nem as seitas pseudocristãs da atualidade superaram o pentecostalismo na produção de doutrinas blasfemas, desvios teológicos, erros de interpretação, ensinos destruidores, lições vergonhosas e propostas antibíblicas.
Quem duvida, deve estudar esses movimentos e compará-los com as aberrações que dia após dia brotam dos púlpitos pentecostais. Sem dúvida, o crente sincero se sentiria mais à vontade numa missa dirigida pelo Papa Inocêncio III do que num “culto de libertação” realizado por pentecostais. Se bem que, na verdade, o melhor mesmo seria não comparecer em nenhuma das duas reuniões.
O segundo mal que a máquina pentecostal produz incansavelmente é a superstição. Mais uma vez, a noção de que Deus fala diretamente a seus profetas, revelando coisas novas a cada dia, fez com que o pentecostalismo abrisse as portas para o misticismo religioso, repleto de crendices toscas inventadas por pessoas que diziam ter recebido uma “revelação” qualquer.
Os reformadores do século 16 afirmavam que a superstição é filha da ignorância. Assim, sem conhecer a doutrina bíblica e fiando-se nas ilusões de inúmeros sonhadores, os pentecostais passaram a acreditar em frases mágicas (“eu determino”, “tá amarrado”; “eu tomo posse”, “eu não aceito…”), em rituais de quebra de maldição, na força maior de orações feitas de madrugada, no poder de objetos ungidos com óleo de cozinha e até em água milagrosa obtida por meio de um copo deixado sobre o aparelho de TV durante a transmissão de um programa evangélico qualquer.
Percebendo a facilidade com que as massas criam nessas fábulas, homens perversos e impostores foram atraídos para o meio pentecostal onde conquistaram facilmente postos de liderança (para se destacar no meio pentecostal basta gritar, sapatear e rodopiar bastante). Então, movidos pela ganância, esses homens inventaram ainda mais superstições, criaram um amplo comércio de relíquias muito semelhante ao que a igreja católica explorou na Idade Média e enriqueceram vendendo cacarecos ungidos para o povo iludido, prometendo saúde e prosperidade por meio dessas coisas (2Pe 2.1-3).
A massa desesperada seguiu esses golpistas, acreditando que sua vida ia melhorar e, então, os salões pentecostais ficaram lotados. Foi assim que o pentecostalismo fez com que a igreja do Senhor recebesse a fama de um covil de ladrões e a maravilhosa fé cristã, exposta e defendida por gigantes e santos do passado, ficasse com a pecha de uma religião de feiticeiros, muito semelhante à macumba, ao candomblé, ao baixo catolicismo e ao fetichismo de tribos primitivas. Com efeito, nenhuma outra estratégia do diabo foi capaz de emporcalhar tanto o santo nome da igreja de Deus.
O terceiro mal que o pentecostalismo fabrica incessantemente são os falsos irmãos. Infelizmente, ao contrário do que muitos pensam, um número enorme de pentecostais jamais conheceu a salvação anunciada no verdadeiro evangelho. Isso acontece especialmente porque quem se filia a esse movimento geralmente o faz em busca dos milagres de Cristo e não do seu perdão. Porém, outra causa para o grande número de incrédulos dentro dessa vertente evangélica está no fato de que os pentecostais acreditam piamente na heresia arminiana da perda da salvação.
Consequentemente, ainda que afirmem em teoria que a salvação é somente pela fé em Cristo, na prática, os pentecostais vivem tentando se manter salvos por meio da religiosidade aparente, das práticas rituais e da observância de regrinhas inventadas pela igreja. Por incrível que pareça, muitos deles chegam a acreditar que preservam a salvação porque não deixam a barba crescer ou porque nunca vestiram uma bermuda!
Tudo isso mostra que muitos pentecostais jamais entenderam as Boas Novas de Cristo, sendo apenas incrédulos cheios de medo tentando melhorar de vida ou buscando ser salvos pelo esforço próprio.
Obviamente, essa presença enorme de falsos crentes no meio evangélico, produzida especialmente pelo movimento pentecostal, é uma das principais causas do descrédito a que foi lançado o cristianismo nos tempos modernos.
A hipocrisia é o quarto mal que a máquina pentecostal fabrica. A ênfase numa espiritualidade marcantemente exterior, com gritos, pulos e quedas no chão, deu espaço para constantes representações teatrais. Com efeito, simulando o que chamam de “transbordar do Espírito”, muitos pentecostais sapateiam, rodopiam e se contorcem como loucos, tudo para convencer os outros de que são fervorosos espiritualmente. Também a altíssima valorização do falar em línguas impeliu esse povo ao fingimento, levando-os a repetir, por conta própria, três ou quatro sílabas desconexas a fim de dar a impressão de que foram agraciados com o maravilhoso dom descrito em Atos 2 (muitos deles, depois de “falar em línguas de anjos” no domingo, falam a língua dos demônios durante a semana na forma de palavrões!). Buscando ainda status dentro da igreja, muitos pentecostais fingem profetizar, quando, na verdade, somente dizem qualquer coisa que lhes venha à mente e que possa estar relacionada à vida alheia. Naturalmente, todo esse teatro é facilmente percebido por qualquer pessoa normal, o que transforma a fé cristã em motivo de piadas aos olhos dos incrédulos.
O quadro descrito acima desemboca facilmente no quinto mal produzido pelas igrejas pentecostais: a desordem. Nem num hospício, nem num desfile de carnaval, nem na Câmara dos Deputados em Brasília é possível ver e ouvir as loucuras e sandices que se veem e ouvem num culto pentecostal. Ali uns riem, outros uivam; uns correm de lá para cá, outros rolam no chão; uns dançam, outros oram aos gritos… No final, dizem que tudo isso é fervor ou ação do Espírito Santo. Pra piorar, os pentecostais ainda afirmam que a igreja ordeira, centrada no estudo da Palavra, marcada por decência, reverência e santo temor é, na verdade, fria e precisa aprender muito com eles se quiser amadurecer na vida cristã!
Finalmente, o sexto mal que se origina no pentecostalismo é a desilusão. Ouvindo profecias vazias e revelações inventadas, muitas pessoas criam esperanças que jamais se cumprem e que as lançam, enfim, num poço de frustração. Quando isso acontece, para agravar a situação, mestres impostores as atormentam ainda mais, dizendo que as ditas profecias não se cumpriram por causa da falta de fé. Então, além de frustradas, essas pessoas passam a se sentir também culpadas, vivendo infelizes pelo resto da vida.
Outros, seguindo orientações que lhes disseram ter sido reveladas por Deus, tomam decisões ou praticam coisas que acabam por destruir sua família, seu casamento, sua juventude, seu futuro, sua saúde, sua carreira e seu patrimônio. Quando, enfim, despertam para isso, percebem muitas vezes que é tarde demais.
Há ainda aqueles que, numa busca escravizadora pelo que acreditam ser o batismo do Espírito Santo, entregam-se a um rigorismo cruel que os priva do lazer (cinema é pecado!), do conforto (mulher de calça comprida? Nem pensar!), do alegre convívio com os filhos pequenos (ir à praia com eles seria pura carnalidade!) e até dos prazeres do leito conjugal. No fim de tudo, ao descobrirem que nada disso teve qualquer proveito, passam a se lamentar frustrados, percebendo que foram enganados, que a vida passou e que aquilo que perderam não pode mais ser recuperado.
Veem-se, assim, quão horríveis são os males causados pelo pentecostalismo. Como evitá-los? Como fugir deles? Esse será o tema do último artigo desta série.
C. Ressalvas e Opções
Muitas pessoas vão dizer que nesta série de artigos eu faço confusão entre pentecostalismo e neopentecostalismo. Dirão que, na verdade, é somente o neopentecostalismo que realiza os abusos que tenho enumerado, estando o pentecostalismo “clássico” livre disso tudo.
Esse parecer resulta de certas distinções que foram feitas no passado entre o chamado pentecostalismo de “primeira onda” (com ênfase no batismo do Espírito acompanhado de línguas estranhas), o pentecostalismo de “segunda onda” (com ênfase em curas e milagres) e o da “terceira onda” (que adota a teologia da prosperidade). Sem dúvida, essa distinção tem certo valor como forma de classificação que auxilia a análise histórica do movimento. Contudo, a observação do cenário atual mostra que, na prática, a referida diferenciação tornou-se obsoleta, não fazendo mais qualquer sentido.
Com efeito, como acontece em qualquer praia em que uma “onda” logo se mistura com a outra, o mesmo ocorreu com o pentecostalismo. Por isso, hoje é possível perceber que a “primeira”, a “segunda” e a “terceira onda” se mesclaram, viraram uma vaga só, espumando heresias, confusões, fraudes, escândalos e hipocrisias. Assim, a diferença entre pentecostalismo e neopentecostalismo, se houver, poderá talvez ser encontrada na eventual ênfase que cada igreja em particular dá a um erro específico. Na base, porém, todo o movimento se iguala, pois as comunidades que o compõem adotam os mesmos pressupostos, praticam e pregam basicamente as mesmas coisas, afirmando a crença na “segunda bênção”, nas revelações e nos portentos supostamente concedidos por Deus aos seus falsos apóstolos e profetas ilusórios.
Feita essa ressalva, importa agora voltar a atenção para os crentes em Cristo que se encontram nas igrejas pentecostais. Sim, há cristãos de verdade nessas comunidades. Eu conheço muitos deles. Trata-se de irmãos em Cristo que percebem que algo está errado, que sentem a falta de alimento sólido, que observam inconformados aquelas manifestações fingidas de arrebatamento espiritual, que sofrem percebendo a ação de espertalhões e a santidade hipócrita de quem louva a Deus com gritos mas tem a vida suja (Is 29.13).
São irmãos que, à vezes, se sentem culpados, pensando: “Será que o errado sou eu? Será que não tenho fervor? Será que Deus está realmente agindo aqui e só eu não estou vibrando? Por que não sinto vontade de gritar e pular? Por que não consigo falar em línguas? E quanto a essas profecias, curas e orações barulhentas? Será que só eu percebo que são forçadas?”.
Tive contato com muitos irmãos amados que enfrentaram esses dilemas no meio pentecostal e que hoje estão num aprisco bíblico. Outros, porém, geralmente por causa de vínculos sociais e afetivos, ainda vivem nesse meio, mesmo se sentindo incomodados e pouco à vontade. Para esse crentes de verdade, creio haver quatro opções:
1. Permanência com influência: Nessa primeira opção, o crente permanece na igreja em que está, tentando mudar as coisas. Trata-se de uma decisão nobre, mas a experiência mostra que tem poucos resultados. Ademais, essa opção tem se mostrado perigosa, pois, geralmente, com o passar do tempo, os crentes que a adotam ficam indiferentes diante do erro. Aos poucos, sem que percebam, tornam-se menos rígidos em seus julgamentos. A constante e tácita convivência com a mentira faz com que, para eles, o mal se torne normal (e até engraçado). O resultado final é que, sem alimento espiritual e com as faculdades amortecidas, seu testemunho entra em colapso, seu casamento começa e enfrentar crises e seus filhos, quando crescem, correm para o mundo, dizendo que tudo na igreja não passa de representação barata.
2. Ecclesiola in ecclesia: Essa expressão significa “pequena igreja dentro da igreja” e foi usada especialmente pelos puritanos da Inglaterra para se referir a pequenos grupos de crentes verdadeiros que se reuniam para cultuar a Deus de maneira correta, sem, contudo, se desligar da igreja maior, cheia de erros, à qual pertenciam. Essa opção pode ser útil, especialmente porque uma ecclesiola seria um bom lugar para levar o visitante, sem passar vergonha. Além disso, talvez seja uma forma de obter alimento verdadeiro. Porém, essa alternativa é perigosa porque pode gerar orgulho espiritual ou até mesmo uma forma de elitização. Ademais, a liderança da igreja maior se indisporá com grupos assim e os problemas serão inevitáveis.
3. Formação de uma nova igreja por um grupo: A vantagem dessa opção é o surgimento quase imediato de uma igreja séria. Porém, os perigos dessa medida a tornam desaconselhável. Isso porque a nova igreja nascerá com a fama de dissidente, enfrentando a forte oposição da igreja de origem. Esta, em regra, não poupará esforços para caluniá-la, enfraquecê-la e até destruí-la. Ainda que possa sobreviver a tudo isso, o sofrimento decorrente dessas investidas deixará marcas que poderiam ser evitadas caso fosse adotado um modo de agir diferente.
4. Saída individual pacífica: De todas as alternativas, essa é a melhor. Nessa opção, o crente simplesmente se desliga da comunidade maculada em que se encontra e se filia a uma igreja séria, onde poderá nutrir comunhão com seus irmãos e cultuar a Deus longe de escândalos, encenações e badernas. Na igreja que pastoreio tenho várias ovelhas que, pertencendo a comunidades pentecostais no passado, tomaram essa iniciativa e hoje fazem parte do nosso rol de membros. O senso de terem achado finalmente o seu lar, a alegria de aprender a Palavra de Deus a partir da hermenêutica sadia e o alívio de terem se livrado de um ambiente eclesiástico nocivo, repleto de excessos e de maluquices, fazem desses irmãos os mais gratos e vibrantes crentes que há no nosso meio.
Ao longo de sua história, a igreja cristã tem enfrentado três graves perigos: o paganismo, o papismo e o pentecostalismo.
O paganismo ameaçou a igreja logo nos primeiros anos de sua existência, especialmente por meio de um misto de religiões, filosofias e fábulas que mais tarde ficou conhecido como gnosticismo. Esse modelo exercia forte atração sobre os cristãos menos preparados porque, além de oferecer experiências místicas, como visões e coisas do tipo (Cl 2.18), também impunha aos seus seguidores normas de conduta que pareciam piedosas — regrinhas como “não pode isso”, “não pode aquilo” (Cl 2.20-23). O maior atrativo do gnosticismo, porém, estava na alegação de que seus adeptos formavam uma elite espiritual detentora de um grau de espiritualidade e conhecimento (gnosis) que outras pessoas eram incapazes de ter.
O papismo, por sua vez, desenvolveu-se em decorrência de processos muito mais longos e complexos, iniciados já no século 2, e que culminaram no surgimento de uma espécie de príncipe eclesiástico com autoridade universal, supostamente dotado de infinitos poderes temporais e espirituais — uma espécie de deus, reconhecido, aliás, como infalível!
Por causa do papismo, a igreja medieval ficou muitas vezes nas mãos de homens inescrupulosos, imorais e corruptos que, em nome de Cristo e em benefício próprio, cometeram atrocidades como as guerras das Cruzadas, os crimes da Inquisição e a exploração impiedosa do povo por meio da venda de relíquias e de indulgências. O caos e a vergonha a que o papismo lançou a igreja deram ensejo à Reforma Protestante do século 16.
O terceiro perigo, o pentecostalismo, é de todos o mais recente e também o mais danoso, posto que abriga elementos dos dois primeiros e, conforme será demonstrado, trouxe prejuízos para o cristianismo que nem mesmo os piores inimigos da fé foram capazes de causar nesses 2 mil anos de história eclesiástica.
O surgimento do movimento pentecostal geralmente é datado de 1906, ano em que William Joseph Seymour, um pregador afro-americano, iniciou reuniões num barracão na Rua Azuza, número 312, em Los Angeles, EUA. Nessas reuniões, a ênfase era a busca do batismo com o Espírito Santo, o que Seymour cria ser uma experiência mística pós-conversão, acompanhada pelo falar em línguas.
Ora, a Bíblia ensina que o batismo do Espírito Santo é dado a todos os crentes, sem que eles precisem se esforçar para obtê-lo (1Co 12.13; Gl 3.2). Também ensina que isso ocorre no momento da conversão (Ef 1.13), sem nenhuma necessidade de ser evidenciado pelo dom de línguas, já que, na Igreja Primitiva, esse dom era dado somente a alguns (1Co 12.30).
Contudo, os seguidores de Seymour criam que o batismo do Espírito Santo era uma espécie de segunda bênção (a primeira bênção seria a conversão) dada por Deus somente a quem a buscasse com orações, jejuns, clamores, lágrimas e vigílias. Por isso, testemunhas oculares relataram que, na Rua Azuza, as pessoas passavam dias e noites gritando, chorando, gemendo, uivando, pulando, girando e se contorcendo, enquanto clamavam pela “bênção”. Já os que eram “batizados” balbuciavam o que criam ser línguas estranhas e, em êxtase, caíam no chão onde ficavam rolando ou se sacudindo, numa manifestação frenética de loucura total. Outros, ainda, desmaiavam e ficavam deitados por horas a fio, inertes como se estivessem mortos.
Tudo isso, pensavam, era necessário e valia a pena, pois o batismo do Espírito Santo, uma vez recebido, elevaria o crente a um novo e mais rico patamar espiritual, tornando-o participante de uma elite de homens santos e fazendo-o desfrutar de uma vida repleta de experiências poderosas e arrebatadoras com Deus.
Foi dito aqui que o primeiro grande perigo que ameaçou a igreja de Cristo foi o paganismo manifesto em doutrinas gnósticas. Pois bem… O pentecostalismo demonstrou ser um dos maiores danos que já sobrevieram à igreja porque, com sua ênfase numa doutrina jamais ensinada nas Escrituras, trouxe de volta para o cristianismo precisamente aquelas velhas noções pagãs, apegando-se ao êxtase, ao frenesi espiritual e, especialmente, ao principal conceito gnóstico da existência de uma elite espiritual que se situa acima dos crentes comuns.
Então, como ocorreu com o gnosticismo nos séculos 1 e 2, a possibilidade de provar emoções novas e de fazer parte de uma elite espiritual fez com que o pentecostalismo atraísse uma imensa massa de pessoas ignorantes, ávidas por experiências místicas e sedentas por conquistar o reconhecimento e a admiração dos seus correligionários.
Conforme dito anteriormente, a segunda maior ameaça sofrida pela igreja ao longo dos séculos foi o papismo. Ora, o pentecostalismo também não deixou de fora os principais elementos desse mal. Com efeito, além de trazer novamente para a igreja de Cristo o velho paganismo combatido pelos pais apostólicos do século 2, o movimento pentecostal trouxe também para a igreja evangélica o velho papismo combatido pelos reformadores do século 16. A diferença é que o papismo pentecostal é um papismo piorado.
De fato, se no romanismo foi acolhida a figura de um papa apenas, no movimento pentecostal ocorreu a diabólica proliferação de um exército de pequenos papas locais, todos reivindicando autoridade divina e infalibilidade absoluta sob os títulos de bispo, apóstolo, profeta ou patriarca.
Com incrível ousadia, todas essas figuras alegam que Deus lhes fala diretamente e, à semelhança dos pontífices medievais, não aceitam que suas opiniões ou condutas sejam questionadas por ninguém e em nenhum grau. Também à semelhança dos papas renascentistas, esses facínoras exploram a boa-fé do povo e juntam tesouros para si, vendendo quinquilharias que dizem ser santas e dotadas de poder. Na verdade, isso acontece hoje numa escala tão grande que é fácil concluir que os papas medievais, em termos de engano e estelionato, teriam muito que aprender com os pequenos papas da atualidade que reinam soberanos nas igrejas pentecostais.
Β. Uma fábrica de seis males
Se o pentecostalismo abriga elementos do paganismo e do papismo, há também outras razões muito mais perceptíveis que comprovam que essa vertente dita evangélica é um risco terrível para a causa cristã. Para expor essas razões, basta descrever o pentecostalismo como uma fábrica de seis males: heresia, superstição, falsos irmãos, hipocrisia, desordem e desilusão. Neste artigo serão expostos somente os dois primeiros males. Os demais serão abordados na parte 3 desta série.
Por que podemos afirmar seguros que o pentecostalismo é uma fábrica de heresias? A resposta é simples e lógica: Crendo que Deus fala diretamente aos seus apóstolos e profetas, bem como àqueles que foram agraciados com a “segunda bênção”, os pentecostais não valorizam o estudo teológico, a exegese ou mesmo as lições mais elementares da hermenêutica bíblica. Para que — dizem eles — se afadigar na análise do texto bíblico, no aprendizado das línguas originais ou na leitura de obras de profundidade doutrinária se Deus nos fala diretamente? Aliás, no afã de ressaltar essa fábula, alguns pastores mais criativos deixam uma cadeira vazia ao seu lado no púlpito, afirmando que aquele lugar é ocupado por um anjo ou pelo próprio Espírito Santo que, pondo-se ao seu lado, sussurra as coisas que ele deve dizer à multidão.
Agravando essa situação, grande parte dos líderes pentecostais se opõe ferozmente ao estudo da teologia, dizendo que “a letra mata” (2Co 3.6). Ora, o fácil contexto dessa citação é suficiente para mostrar que Paulo fala ali da Lei Mosaica (a letra) e seu impacto mortal sobre aqueles que tentam ser justificados através da sua observância. Para os pentecostais, porém, nesse texto, Paulo, justamente o apóstolo mais estudioso do Novo Testamento (At 26.24), reprovava o dedicado estudo da Palavra de Deus!
O resultado dessas proezas é que o pentecostalismo acaba sendo um prato cheio para os que se deleitam na preguiça intelectual e dá ensejo para que homens sem preparo, seguindo as imaginações de seu próprio coração e chamando tudo o que lhes vêm à mente de “revelação”, ensinem aos seus seguidores absurdos que vão desde as tolices mais chocantes até as heresias mais deploráveis e destruidoras. Na verdade, esse fato é tão notável e evidente que qualquer crente com conhecimento teológico básico sabe que é mais fácil encontrar um dente na boca de um torcedor corintiano do que uma frase de alto valor doutrinário na boca de um pastor pentecostal.
De fato, poucas vezes na história do pensamento cristão existiu uma fábrica de heresias tão produtiva como o pentecostalismo. Há algum tempo eu adquiri o grau de mestre (Th.M) em teologia histórica e posso afirmar depois de muitos anos de estudo que nem Márcion, o arqui-herege do século 2, nem os montanistas, nem os defensores da cristologia heterodoxa que ameaçou a igreja nos séculos 4 e 5, nem os cátaros, nem o catolicismo medieval, nem os radicais da época da Reforma, nem as seitas pseudocristãs da atualidade superaram o pentecostalismo na produção de doutrinas blasfemas, desvios teológicos, erros de interpretação, ensinos destruidores, lições vergonhosas e propostas antibíblicas.
Quem duvida, deve estudar esses movimentos e compará-los com as aberrações que dia após dia brotam dos púlpitos pentecostais. Sem dúvida, o crente sincero se sentiria mais à vontade numa missa dirigida pelo Papa Inocêncio III do que num “culto de libertação” realizado por pentecostais. Se bem que, na verdade, o melhor mesmo seria não comparecer em nenhuma das duas reuniões.
O segundo mal que a máquina pentecostal produz incansavelmente é a superstição. Mais uma vez, a noção de que Deus fala diretamente a seus profetas, revelando coisas novas a cada dia, fez com que o pentecostalismo abrisse as portas para o misticismo religioso, repleto de crendices toscas inventadas por pessoas que diziam ter recebido uma “revelação” qualquer.
Os reformadores do século 16 afirmavam que a superstição é filha da ignorância. Assim, sem conhecer a doutrina bíblica e fiando-se nas ilusões de inúmeros sonhadores, os pentecostais passaram a acreditar em frases mágicas (“eu determino”, “tá amarrado”; “eu tomo posse”, “eu não aceito…”), em rituais de quebra de maldição, na força maior de orações feitas de madrugada, no poder de objetos ungidos com óleo de cozinha e até em água milagrosa obtida por meio de um copo deixado sobre o aparelho de TV durante a transmissão de um programa evangélico qualquer.
Percebendo a facilidade com que as massas criam nessas fábulas, homens perversos e impostores foram atraídos para o meio pentecostal onde conquistaram facilmente postos de liderança (para se destacar no meio pentecostal basta gritar, sapatear e rodopiar bastante). Então, movidos pela ganância, esses homens inventaram ainda mais superstições, criaram um amplo comércio de relíquias muito semelhante ao que a igreja católica explorou na Idade Média e enriqueceram vendendo cacarecos ungidos para o povo iludido, prometendo saúde e prosperidade por meio dessas coisas (2Pe 2.1-3).
A massa desesperada seguiu esses golpistas, acreditando que sua vida ia melhorar e, então, os salões pentecostais ficaram lotados. Foi assim que o pentecostalismo fez com que a igreja do Senhor recebesse a fama de um covil de ladrões e a maravilhosa fé cristã, exposta e defendida por gigantes e santos do passado, ficasse com a pecha de uma religião de feiticeiros, muito semelhante à macumba, ao candomblé, ao baixo catolicismo e ao fetichismo de tribos primitivas. Com efeito, nenhuma outra estratégia do diabo foi capaz de emporcalhar tanto o santo nome da igreja de Deus.
O terceiro mal que o pentecostalismo fabrica incessantemente são os falsos irmãos. Infelizmente, ao contrário do que muitos pensam, um número enorme de pentecostais jamais conheceu a salvação anunciada no verdadeiro evangelho. Isso acontece especialmente porque quem se filia a esse movimento geralmente o faz em busca dos milagres de Cristo e não do seu perdão. Porém, outra causa para o grande número de incrédulos dentro dessa vertente evangélica está no fato de que os pentecostais acreditam piamente na heresia arminiana da perda da salvação.
Consequentemente, ainda que afirmem em teoria que a salvação é somente pela fé em Cristo, na prática, os pentecostais vivem tentando se manter salvos por meio da religiosidade aparente, das práticas rituais e da observância de regrinhas inventadas pela igreja. Por incrível que pareça, muitos deles chegam a acreditar que preservam a salvação porque não deixam a barba crescer ou porque nunca vestiram uma bermuda!
Tudo isso mostra que muitos pentecostais jamais entenderam as Boas Novas de Cristo, sendo apenas incrédulos cheios de medo tentando melhorar de vida ou buscando ser salvos pelo esforço próprio.
Obviamente, essa presença enorme de falsos crentes no meio evangélico, produzida especialmente pelo movimento pentecostal, é uma das principais causas do descrédito a que foi lançado o cristianismo nos tempos modernos.
A hipocrisia é o quarto mal que a máquina pentecostal fabrica. A ênfase numa espiritualidade marcantemente exterior, com gritos, pulos e quedas no chão, deu espaço para constantes representações teatrais. Com efeito, simulando o que chamam de “transbordar do Espírito”, muitos pentecostais sapateiam, rodopiam e se contorcem como loucos, tudo para convencer os outros de que são fervorosos espiritualmente. Também a altíssima valorização do falar em línguas impeliu esse povo ao fingimento, levando-os a repetir, por conta própria, três ou quatro sílabas desconexas a fim de dar a impressão de que foram agraciados com o maravilhoso dom descrito em Atos 2 (muitos deles, depois de “falar em línguas de anjos” no domingo, falam a língua dos demônios durante a semana na forma de palavrões!). Buscando ainda status dentro da igreja, muitos pentecostais fingem profetizar, quando, na verdade, somente dizem qualquer coisa que lhes venha à mente e que possa estar relacionada à vida alheia. Naturalmente, todo esse teatro é facilmente percebido por qualquer pessoa normal, o que transforma a fé cristã em motivo de piadas aos olhos dos incrédulos.
O quadro descrito acima desemboca facilmente no quinto mal produzido pelas igrejas pentecostais: a desordem. Nem num hospício, nem num desfile de carnaval, nem na Câmara dos Deputados em Brasília é possível ver e ouvir as loucuras e sandices que se veem e ouvem num culto pentecostal. Ali uns riem, outros uivam; uns correm de lá para cá, outros rolam no chão; uns dançam, outros oram aos gritos… No final, dizem que tudo isso é fervor ou ação do Espírito Santo. Pra piorar, os pentecostais ainda afirmam que a igreja ordeira, centrada no estudo da Palavra, marcada por decência, reverência e santo temor é, na verdade, fria e precisa aprender muito com eles se quiser amadurecer na vida cristã!
Finalmente, o sexto mal que se origina no pentecostalismo é a desilusão. Ouvindo profecias vazias e revelações inventadas, muitas pessoas criam esperanças que jamais se cumprem e que as lançam, enfim, num poço de frustração. Quando isso acontece, para agravar a situação, mestres impostores as atormentam ainda mais, dizendo que as ditas profecias não se cumpriram por causa da falta de fé. Então, além de frustradas, essas pessoas passam a se sentir também culpadas, vivendo infelizes pelo resto da vida.
Outros, seguindo orientações que lhes disseram ter sido reveladas por Deus, tomam decisões ou praticam coisas que acabam por destruir sua família, seu casamento, sua juventude, seu futuro, sua saúde, sua carreira e seu patrimônio. Quando, enfim, despertam para isso, percebem muitas vezes que é tarde demais.
Há ainda aqueles que, numa busca escravizadora pelo que acreditam ser o batismo do Espírito Santo, entregam-se a um rigorismo cruel que os priva do lazer (cinema é pecado!), do conforto (mulher de calça comprida? Nem pensar!), do alegre convívio com os filhos pequenos (ir à praia com eles seria pura carnalidade!) e até dos prazeres do leito conjugal. No fim de tudo, ao descobrirem que nada disso teve qualquer proveito, passam a se lamentar frustrados, percebendo que foram enganados, que a vida passou e que aquilo que perderam não pode mais ser recuperado.
Veem-se, assim, quão horríveis são os males causados pelo pentecostalismo. Como evitá-los? Como fugir deles? Esse será o tema do último artigo desta série.
C. Ressalvas e Opções
Muitas pessoas vão dizer que nesta série de artigos eu faço confusão entre pentecostalismo e neopentecostalismo. Dirão que, na verdade, é somente o neopentecostalismo que realiza os abusos que tenho enumerado, estando o pentecostalismo “clássico” livre disso tudo.
Esse parecer resulta de certas distinções que foram feitas no passado entre o chamado pentecostalismo de “primeira onda” (com ênfase no batismo do Espírito acompanhado de línguas estranhas), o pentecostalismo de “segunda onda” (com ênfase em curas e milagres) e o da “terceira onda” (que adota a teologia da prosperidade). Sem dúvida, essa distinção tem certo valor como forma de classificação que auxilia a análise histórica do movimento. Contudo, a observação do cenário atual mostra que, na prática, a referida diferenciação tornou-se obsoleta, não fazendo mais qualquer sentido.
Com efeito, como acontece em qualquer praia em que uma “onda” logo se mistura com a outra, o mesmo ocorreu com o pentecostalismo. Por isso, hoje é possível perceber que a “primeira”, a “segunda” e a “terceira onda” se mesclaram, viraram uma vaga só, espumando heresias, confusões, fraudes, escândalos e hipocrisias. Assim, a diferença entre pentecostalismo e neopentecostalismo, se houver, poderá talvez ser encontrada na eventual ênfase que cada igreja em particular dá a um erro específico. Na base, porém, todo o movimento se iguala, pois as comunidades que o compõem adotam os mesmos pressupostos, praticam e pregam basicamente as mesmas coisas, afirmando a crença na “segunda bênção”, nas revelações e nos portentos supostamente concedidos por Deus aos seus falsos apóstolos e profetas ilusórios.
Feita essa ressalva, importa agora voltar a atenção para os crentes em Cristo que se encontram nas igrejas pentecostais. Sim, há cristãos de verdade nessas comunidades. Eu conheço muitos deles. Trata-se de irmãos em Cristo que percebem que algo está errado, que sentem a falta de alimento sólido, que observam inconformados aquelas manifestações fingidas de arrebatamento espiritual, que sofrem percebendo a ação de espertalhões e a santidade hipócrita de quem louva a Deus com gritos mas tem a vida suja (Is 29.13).
São irmãos que, à vezes, se sentem culpados, pensando: “Será que o errado sou eu? Será que não tenho fervor? Será que Deus está realmente agindo aqui e só eu não estou vibrando? Por que não sinto vontade de gritar e pular? Por que não consigo falar em línguas? E quanto a essas profecias, curas e orações barulhentas? Será que só eu percebo que são forçadas?”.
Tive contato com muitos irmãos amados que enfrentaram esses dilemas no meio pentecostal e que hoje estão num aprisco bíblico. Outros, porém, geralmente por causa de vínculos sociais e afetivos, ainda vivem nesse meio, mesmo se sentindo incomodados e pouco à vontade. Para esse crentes de verdade, creio haver quatro opções:
1. Permanência com influência: Nessa primeira opção, o crente permanece na igreja em que está, tentando mudar as coisas. Trata-se de uma decisão nobre, mas a experiência mostra que tem poucos resultados. Ademais, essa opção tem se mostrado perigosa, pois, geralmente, com o passar do tempo, os crentes que a adotam ficam indiferentes diante do erro. Aos poucos, sem que percebam, tornam-se menos rígidos em seus julgamentos. A constante e tácita convivência com a mentira faz com que, para eles, o mal se torne normal (e até engraçado). O resultado final é que, sem alimento espiritual e com as faculdades amortecidas, seu testemunho entra em colapso, seu casamento começa e enfrentar crises e seus filhos, quando crescem, correm para o mundo, dizendo que tudo na igreja não passa de representação barata.
2. Ecclesiola in ecclesia: Essa expressão significa “pequena igreja dentro da igreja” e foi usada especialmente pelos puritanos da Inglaterra para se referir a pequenos grupos de crentes verdadeiros que se reuniam para cultuar a Deus de maneira correta, sem, contudo, se desligar da igreja maior, cheia de erros, à qual pertenciam. Essa opção pode ser útil, especialmente porque uma ecclesiola seria um bom lugar para levar o visitante, sem passar vergonha. Além disso, talvez seja uma forma de obter alimento verdadeiro. Porém, essa alternativa é perigosa porque pode gerar orgulho espiritual ou até mesmo uma forma de elitização. Ademais, a liderança da igreja maior se indisporá com grupos assim e os problemas serão inevitáveis.
3. Formação de uma nova igreja por um grupo: A vantagem dessa opção é o surgimento quase imediato de uma igreja séria. Porém, os perigos dessa medida a tornam desaconselhável. Isso porque a nova igreja nascerá com a fama de dissidente, enfrentando a forte oposição da igreja de origem. Esta, em regra, não poupará esforços para caluniá-la, enfraquecê-la e até destruí-la. Ainda que possa sobreviver a tudo isso, o sofrimento decorrente dessas investidas deixará marcas que poderiam ser evitadas caso fosse adotado um modo de agir diferente.
4. Saída individual pacífica: De todas as alternativas, essa é a melhor. Nessa opção, o crente simplesmente se desliga da comunidade maculada em que se encontra e se filia a uma igreja séria, onde poderá nutrir comunhão com seus irmãos e cultuar a Deus longe de escândalos, encenações e badernas. Na igreja que pastoreio tenho várias ovelhas que, pertencendo a comunidades pentecostais no passado, tomaram essa iniciativa e hoje fazem parte do nosso rol de membros. O senso de terem achado finalmente o seu lar, a alegria de aprender a Palavra de Deus a partir da hermenêutica sadia e o alívio de terem se livrado de um ambiente eclesiástico nocivo, repleto de excessos e de maluquices, fazem desses irmãos os mais gratos e vibrantes crentes que há no nosso meio.
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Autor: Pr. Marcos Granconato
Fonte: Igreja Batista Redenção
Via: Teologando
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Marcos Granconato
Marcos Granconato é graduado em Teologia pelo Seminário Bíblico Palavra da Vida e em Direito pela Universidade São Francisco de Bragança Paulista. É também Mestre em História Eclesiástica pelo Centro Presbiteriano de Pós-Gradução Andrew Jumper. Atualmente pastoreia a Igreja Batista Redenção, em São Paulo, e ministra aulas de Teologia Sistemática no Seminário Bíblico Palavra da Vida e no Seminário Teológico de Guarulhos.
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