Carrego comigo certa dose de admiração por Jacob Arminius, teólogo holandês que emprestaria seu nome ao sistema teológico conhecido como Arminianismo. Essa é uma declaração um tanto perigosa considerando que sou convicto Calvinista. Mas, quando se fala em Jacob Arminius tem-se a impressão de que a maioria dos seus críticos jamais se deu ao trabalho de ler seus escritos – o mesmo vale para os críticos da teologia de João Calvino. E, lendo Arminius tenho encontrado valiosos tesouros, apesar de rejeitar partes importantes de sua Soteriologia.
Gostaria mencionar também certa injustiça que é feita a teologia de Arminius. Desde sempre sua tese tem sido acusada de “Pelagianismo”, uma acusação imprecisa. Aqueles que fazem tal acusação nada sabem sobre qual era a heresia de Pelágio, ou nada sabem sobre a teologia de Arminius. A heresia pelagiana consistia na negação do Pecado Original. É verdade que isso geraria um ferrenho debate sobre a Graça de Deus, incluindo a Predestinação, mas o coração da heresia estava na negação do Pecado Original.
Além disso, Pelágio defendia que a morte de Cristo teria sido para nos deixar um exemplo, e não uma Obra Vicária; consequentemente, defendia que a natureza humana era capaz, por si mesma, de mudar sua própria sorte e redimir-se, seguindo o exemplo deixado de Cristo.
Os pontos centrais da doutrina Pelagiana consistiam no seguinte:
- (a) Ao pecar Adão prejudicou apenas a si mesmo, não a raça humana;
- (b) As crianças nascem no mesmo estado de pureza que Adão tinha no Édem;
- (c) A raça humana não morre com o pecado de Adão, nem vive novamente pela Ressurreição de Cristo;
- (d) Que a Lei era um guia tão para o céu quanto o Evangelho; (e) Mesmo antes do Advento de Cristo os homens podiam viver sem pecado.
Jacob Arminius, no entanto, jamais negou o Pecado Original, nem questionou a Total Depravação da Natureza Humana.
“Esta é minha opinião sobre o livre-arbítrio do homem: em sua primitiva condição, quando saiu das mãos de seu Criador, foi o homem dotado de uma grande porção de santidade, conhecimento e poder, que lhe permitia compreender, amar, considerar, desejar e operar o verdadeiro bem, de acordo com os mandamentos que lhe foram entregues. Porém, nenhuma dessas coisas poderia ele realizar se não fosse por meio do auxilio da Graça Divina. Mas, em seu estado caído e pecaminoso, o homem não é capaz, de por si mesmo, sequer pensar, querer ou fazer aquilo que é verdadeiramente bom: é necessário que ele seja regenerado e renovado em seu intelecto, afeições, vontades, e em todas as suas habilidades. Por Deus, em Cristo, através do Espírito Santo, é que ele pode ter capacidade a entender, estimar, desejar e operar o verdadeiro bem. Quando ele é feito participante desta regeneração ou renovação, eu considero que, tendo sido liberto do pecado, torna-se capaz de pensar, querer e fazer aquilo que é bom, no entanto jamais sem o contínuo auxilio da Graça Divina” (ARMINIUS, Jacob; The Works of James Arminius, Volume I).
Não consigo encontrar o menor traço da heresia pelagiana no modo como Arminius descreve a condição espiritual do homem caído. Muito pelo contrário: sua visão a respeito da condição do homem não-regenerado é maravilhosamente bíblica e, por isso mesmo, é tão semelhante a teologia calvinista. O que não significa que sua teologia era completamente saudável. Falamos sobre isso mais adiante.
Em primeiro lugar observem isto: não preciso ir a Calvino ou Lutero para negar a teoria do Livre-Arbítrio – basta-me Jacob Arminius! “Quando ele é feito participante desta regeneração ou renovação,... torna-se capaz”, ensina Arminius. Este é o ensino Bíblico. Este é o ensino Calvinista. Esta é, em última análise, uma negação do livre-arbítrio. Arminius defende que o homem é absolutamente escravo do pecado, e do pecado não pode se livrar a menos que seja regenerado, então, basta-nos isto para negar a tese do livre-arbítrio, como fez magistralmente Lutero:
“Se todos os homens possuem ‘livre-arbítrio’, ao mesmo tempo em que todos, sem qualquer exceção, estão debaixo da ira de Deus, segue-se daí que o ‘livre-arbítrio’ os está conduzindo a uma única direção – da “impiedade e da iniquidade”. Portanto, em que o poder do ‘livre-arbítrio’ os está ajudando a fazer o que é certo? Se existe realmente ‘livre-arbítrio’, ele não parece capaz de ajudar os homens a atingirem a salvação, porquanto os deixa sob a Ira de Deus” (LUTERO, Martinho; Nascido Escravo; Editora Fiel).
Lutero foi direto ao ponto: se o homem é escravo do pecado, mesmo que o livre-arbítrio existisse não seria capaz de ajudá-lo em nada. O livre-arbítrio é tão escravo do pecado quanto o próprio homem, pois tudo que a vontade humana consegue fazer por si mesma é o pecar: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e, com efeito, o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem” (Romanos 7.18). Sabiamente alguém definiu o problema nos seguintes termos: Livre-arbítrio, um escravo!
“Vamos, no entanto, nos referir à grande doutrina da Queda. Qualquer pessoa que acredita que a vontade do homem é inteiramente livre, e que pode ser salva por meio dela, não acredita na Queda. Como, às vezes, tenho lhes dito: poucos pregadores acreditam plenamente na doutrina da Queda, ou então apenas acreditam que Adão, quando caiu, quebrou seu dedo mindinho, e não seu pescoço, arruinando assim a sua raça. Ora, amados, a Queda quebrou o homem completamente. Não deixou nenhuma capacidade inalterada; todas foram despedaçadas, degradadas e manchadas. Como um poderoso templo, os pilares podem estar ali, as colunas, até o pilar principal, mas, todos eles foram quebrados, ainda que alguns retenham suas formas e posições. Às vezes a consciência do homem retam muito a sua ternura - no entanto, esta caída. A vontade também não está isenta. Embora seja o maioral de Mansoul - conforme Bunyan o chama - o maioral erra. O senhor vontade - voluntarioso - estava continuamente errando.
A natureza caída que vocês tem foi colocada fora de ordem; sua vontade, entre outras coisas, afastou-se completamente de Deus. Eu lhes direi que a melhor prova disso: é o grande fato de que nunca encontraram um cristão, em toda a sua vida, que dissesse que ele veio a Cristo, sem que antes Cristo tivesse vindo a ele” (SPURGEON, Charles H,; Livre Arbítrio: Um Escravo).
Veja todos estes três, incluindo Jacob Arminius, me dizendo a mesma coisa: a completa impotência da vontade do homem não-regenerado. Isso implica na negação do livre-arbítrio, ao menos enquanto algo que possa ajudar o homem a fazer algo melhor por si mesmo. O livre-arbítrio, se existe, é tão escravo do pecado quanto o homem! Evidentemente o leitor atento irá perceber a ironia: “livre-arbítrio escravo” é uma auto-contradição que invalida a própria tese do livre-arbítrio. Por outro lado, a negativa da escravidão da vontade implica a negação dos efeitos da Queda, e incorre na heresia pelagiana!
Então, como eu disse no início, a teologia de Jacob Arminius não é completamente saudável. Esse é nosso segundo ponto. Quando Arminius se propõe a definir o estado espiritual do homem faz um bom trabalho, como vimos acima. Porém, incapaz de se render as implicações óbvias de sua própria conclusão, torna-se inimigo das Escrituras e contradiz a si mesmo. Questionado sobre suas posições, Arminius envia aos Curadores da Universidade de Leyden ,um documento contendo Nove Questões (Nine Questions), em Novembro de 1605. Ao responder uma das perguntas – como pode Deus exigir que o homem tenha fé se o homem é incapaz de ter fé por si só? – o celebre teólogo holandês responde:
“Deus pode fazer tal exigência, já que ele determinou conceder ao homem graça suficiente pela qual ele possa acreditar” (ARMINIUS, Jacob; The Works of James Arminius, Volume I).
O homem , segundo admite Arminius, não tem nenhuma capacidade de crer em Jesus e fazer verdadeiro bem. Sua natureza encontra-se fatalmente corrompida pelo pecado. Arminianos e Calvinistas estão de acordo sobre este ponto. Mas se tal conclusão é verdadeira (já vimos que é), como pode o homem ser salvo? Como pode o homem vir a crer em Jesus? Arminius argumenta que Deus concede ao homem “graça suficiente pela qual ele possa acreditar”.
Neste ponto, Arminus contradiz sua própria teologia sobre a Queda, e claro, o ensino das Escrituras. Como vimos, Arminus defende que os efeitos da Queda foram tão devastadores sobre a natureza humana, que só podemos crer depois de sermos regenerados: “...é necessário que ele seja regenerado e renovado em seu intelecto, afeições, vontades, e em todas as suas habilidades... Quando ele é feito participante desta regeneração ou renovação, eu considero que, tendo sido liberto do pecado, torna-se capaz...” (ARMINIUS, Jacob; The Works of James Arminius, Volume I).
Todavia, não querendo admitir as conclusões evidentes de sua própria teologia, ele defende que Deus concede ao homem não-regenerado “graça suficiente pela qual possa acreditar”. De posse de tal “graça suficiente”, o homem “pode ou não acreditar”. Em outras palavras, está sendo dito que o homem está em trevas absolutas, mas Deus acende uma luz diante de seus olhos, dando-lhe a chance de crer.
A tentativa que Jacob Arminius faz para salvar a livre escolha do homem é completamente absurda. Se ele defende que o homem só pode crer se for, primeiro, regenerado, como pode conceber a ideia de que tal regeneração ocorra divorciada da fé? Por acaso Deus regenera o homem e depois pergunta se ele quer acreditar em Jesus? Ou será que “graça suficiente para crer” não é o mesmo que “regeneração”? Neste caso, a afirmação de que é preciso ser regenerado para se capaz crer não terá sido mais que um habilidoso jogo de palavras?
De modo que, assim como não é justo acusar a teologia de Arminius de pelagianismo, não se pode evitar tão facilmente a acusação de “semi-pelagianismo”. Tal acusação nasce justamente da contradição inerente ao pensamento do teólogo holandês: O homem pode crer sem ser regenerado primeiro? Essa “regeneração” – da qual fala Arminuius – é uma “ajuda” que Deus dá ao homem depravado, ou é o milagre do Novo Nascimento? Para ter fé o homem precisa de certo auxilio do Espírito, ou precisa que o Espírito opere o milagre da nova vida, regenerando-o?
O ensino bíblico é claro: Deus concede vida ao homem, de modo livre e soberano. Nas Escrituras, a salvação não depende do home ser capaz de escolher o bem. “Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último Dia” (João 6.44). “E dizia: Por isso, eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido” (S. João 6.65). “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (S. Mateus 11.27). “Compadecer-me-ei de quem me compadecer e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece” (Romanos 9.15,16).
Por fim, quando Deus interfere na existência humana não é para abrir uma possibilidade de salvação, mas para salvar efetivamente. Ele não apenas iluminou nossos olhos, ele nos ressuscitou! “Antes, andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos, e éramos por natureza filhos da Ira, como os outros também. Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com Ele, e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus – para mostrar nos séculos futuros as abundantes riquezas da sua graça, pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós: é dom de Deus” (Efésios 2.3-8).
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